quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O MENINO QUE O VALE LEVA

"Você nunca volta pelos mesmos caminhos. 
Você, o pequeno menino do vale, também é o grande adulto que leva. 
E se hoje vai embora - cheio de lentidão na marcha - é porque nunca perdeu o medo de voltar. 
Sempre soube que, o soluço, é o veredito pujante do perdão digerido. 
E eu, teimoso como sou, dou conversa ao desespero. Tenho calos por ainda ter cordas, na cabeça, para me pendurar em suas fugas. 
Corra ligeiro, na cidade que há em mim, com todas as suas coisas que vão perdendo o cheiro, exalando o melhor perfume da sua falta. 
Vale-me muito esse menino. 
Valei-me...volte! 
Pois as placas não têm nomes e, as ruas, não têm saídas. 
Nos fios da barba, há cama para a sua insônia. 
Riso também é choro. 
Cacto também se rega. 
Amor, não se nega".

Fabrício Hundou - um autor desconhecido.
Ilustração: Lee Jin ju
*Postagem: Hierophant


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

HERMANN HESSE, UM ESPÍRITO ILUMINADO

O GURU DOS HIPPIES

Nobel de Literatura, Hermann Hesse é um dos mais importantes escritores alemães do século 20 e sua obra provoca uma espécie de culto místico. O autor do romance “O Lobo da Estepe” quis mudar-se para o Brasil e, depressivo, foi paciente de J. B. Lang e de C. G. Jung


POR EDGAR WELZEL



A Floresta Negra, no Sudoeste da Alemanha, é uma das mais belas regiões do país. A área abrange quase a metade do Estado de Baden-Württemberg — que, ao Sul, faz limite com a Suíça e, a Oeste, com a França. A topografia é acidentada com vales, colinas e montanhas cobertas de densa mata de pinheiros que, ao sol do verão, assumem uma cor verde-escuro quase beirando ao preto, daí o nome de Floresta Negra. A Oeste, formando a divisa com a França, serpenteia languidamente o Reno, a mais importante veia aquática europeia, cujas nascentes têm suas origens nos Alpes suíços; em seu percurso penetra o território alemão do Sul ao Norte, onde faz um desvio em direção à Holanda e lá desemboca no rio Maas — formando um intrincado delta cujos braços espraiam-se no Mar do Norte. A Floresta Negra estende-se além do Reno, em território francês, onde as árvores são da mesma família e a cor verde-escuro viceja. O que muda é apenas o nome: os franceses chamam-na de Floresta dos Vosgues.


Arte de viver
Para a arte de viver, é preciso saber a arte de ouvir, 
sorrir e ter paciência... sempre.


Em território alemão, no coração desta floresta, encontra-se a pequena e pitoresca cidade de Calw, um nome que soa estranho para os que não vivem na região. A localização geográfica de Calw, cujas origens datam do ano 1075, também é estranha: a cidade encontra-se numa depressão. No linguajar corriqueiro, diríamos que Calw situa-se num buraco. A cidade é cortada pelo Nagold, rio que, em termos de Brasil, seria considerado riacho. Mesmo assim, o Nagold, no passado certamente com mais água, teve uma importante função na história da cidade. Até o século 19, o pequeno rio era a principal via de transporte fluvial para os troncos de pinheiros da Floresta Negra. Eram amarrados em balsa e transportados via rio Neckar até ao Reno, de onde seguiam até à Holanda e, não raro, para a Inglaterra.

Durante quase toda a Idade Média, Calw foi um grande centro de comércio — com estabelecimentos manufatureiros de couro, moinhos, serrarias, marcenarias e artesãos de móveis e de construção de casas do estilo enxaimel, a arquitetura típica da região.

O Sul da Alemanha, a partir do século 17 até meados do século 20, era fortemente influenciado pelo pietismo, o maior movimento reformista dentro do protestantismo europeu após a Reforma Protestante. Os pietistas, profundamente crentes, conservadores e intransigentes a tudo quanto era novo, levavam o conteúdo da Bíblia ao pé da letra e eram, por isso, considerados ortodoxos dentro do protestantismo.

Foi neste ambiente que, em 2 de julho de 1877, nasceu e passou a sua infância e parte da adolescência Hermann Hesse, o mais lido escritor alemão do século 20. Perscrutar a vida desse autor não é tarefa rotineira e quem a enceta deve estar ciente de que, caso tiver percepção para os sentimentos mais intrínsecos da alma humana, acaba perscrutando a si mesmo.

Hermann Hesse, aos 20 anos
Hermann Hesse não aceitou e muito menos se conformou com o ambiente no qual nascera e crescera. Muito cedo deu mostras de rebeldia contra a “camisa de força” que lhe fora imposta pelo ambiente pietista. No círculo familiar sua rebeldia contra a extremada religiosidade causou tanto incompreensão quanto preocupação, pois os Hesse, por gerações, eram crentes convictos, engajados na igreja, em serviços missionários e na publicação de literatura religiosa.

Portanto, o jovem foi a primeira ovelha negra de uma linhagem familiar que não conhecia nada além do sacrifício à religião. Mais tarde, Hermann Hesse registrou em seu diário uma observação que explica um dos motivos de sua rebeldia adolescente: “Que pessoas encarem a sua vida como vassalas de Deus e que procurem, isentas de qualquer impulso egoístico, viver a serviço e sacrifício para com Deus foi uma vivência da minha juventude que me influenciou profundamente”.

Hermann Hesse foi um homem que, durante toda a sua vida, teve que lutar contra dúvidas, anseios e aflições. O ambiente familiar pietista, por ser rígido, serviu de húmus no qual se desenvolveram seus futuros devaneios psíquicos por meio dos quais acabou encontrando o seu caminho à literatura. Durante toda a sua vida, Hesse foi um solitário que não suportava pessoas por muito tempo ao seu redor. Mesmo suas mulheres — teve três —, só as tolerava a certa distância. Em sua obra “O Lobo da Estepe” (best seller também no Brasil), Hesse registrou uma frase elucidativa: “Solidão é independência, com ela eu sempre sonhara e a obtivera afinal após tantos anos”.

Para compreender a beleza, a profundidade e o sentido da obra literária de Hermann Hesse é preciso entranhar-se nos labirintos da alma do autor. É necessário perceber Hermann Hesse como indivíduo, entender o ambiente em que viveu e conhecer a sua genealogia. Seus parentes, além de pietistas, tinham ampla cultura humanista.

Em busca de Deus
Sempre andaram em busca de Deus, 
mas nunca em busca de si mesmos. 
E Ele não está em outro lugar. 
Não há um Deus senão aquele dentro de cada um...


Sua vida é bem documentada, o que vale para os seus ancestrais tanto da linhagem paterna, os Hesse, como da materna, os Gundert. Os bisavós tinham o hábito de guardar todo e qualquer papel, por mais insignificante que fosse. Cartas, apontamentos, cartões postais, simples bilhetes — tudo era guardado. O mesmo costume tinham também os avós e seus pais. Graças a esse cuidado, os registros, documentos e demais fontes de informações existentes sobre a ascendência de Hesse são amplas. A dedicação à literatura e à arte de escrever já eram hábitos que existiam nos dois ramos familiares de seus ancestrais.

O avô paterno, dr. Carl Hermann Hesse (1802-1896), nasceu em Livland, na Estônia, à época pertencente à Rússia. Era casado com uma alemã, médico e conselheiro de Estado, em Weissenstein, na Estônia. Além do russo, falava alemão, latim, grego e hebraico. Como pietista, ministrava aulas bíblicas, fundou um orfanato, escreveu artigos para jornais e é autor de vários livros, entre os quais uma ampla autobiografia em dois volumes. Hermann Hesse, o neto escritor, não chegou a conhecer o avô pessoalmente mas, desde jovem, manteve com ele regular correspondência até sua morte.

O avô materno, dr. Hermann Gundert, nasceu em Stuttgart, na Alemanha, em 1814. Fez seus estudos preliminares no célebre mosteiro de Maulbronn, cujas origens datam do século 11 e a seguir matriculou-se no Tübinger Stift, fundado em 1536, uma instituição de elite, ligada à Universidade de Tübingen. Em seus quase cinco séculos de existência, o Tübinger Stift formou grandes homens da cultura alemã, como o astrônomo Johannes Kepler, o poeta Friedrich Hölderlin, os filósofos Georg Wilhelm Friedrich Hegel e Friedrich Schelling e o escritor e tradutor Eduard Mörike.

O dr. Gundert era pessoa de ampla cultura. Começou a escrever durante os seus estudos preliminares em Maulbronn. Datam desse período vários dramas, entre eles um sobre Pedro, o Grande. Ampla era a sua vocação para as línguas. Durante a sua formação em Tübingen, estudou latim, grego, hebraico, inglês, francês, italiano, indu e malaiala. Terminados os estudos, passou um período na Inglaterra e de lá partiu para Tschirakal, na Índia, onde inicialmente trabalhou como professor. Não demorou, interessou-se por atividades missionárias e ocupou-se da área de seu interesse, as línguas. 

Estudou vários dialetos indus, traduziu a Bíblia do latim para o malaiala e compilou o primeiro dicionário inglês-malaiala, trabalho que lhe custou mais de 30 anos de pesquisa e continua sendo obra básica até os dias de hoje. No Estado de Kerala, na Índia, fundou um jornal, escreveu livros escolares, traduziu obras do sânscrito para o malaiala, inclusive um documento budista dos primeiros séculos da era cristã. Casou-se, na Índia, com Julie Dubois, filha de calvinistas da região de Genebra, com quem teve dez filhos, entre os quais Marie Gundert, a mãe de Hermann Hesse. Julie Dubois (avó de Hermann Hesse) nunca chegou a falar e escrever o alemão corretamente, mas, além de sua língua materna, o francês, dominava perfeitamente o inglês e o indu e vários dialetos. Cultivava uma vida ascética, era rigorosa e intransigente.

Começa a aflição
Aquele que está bem pode fazer muita coisa supérflua e insensata. 
Quando o bem-estar acaba e começa a aflição, 
começa a educação que a vida nos quer dar



Gundert regressou à Alemanha em 1859 e assumiu uma editora de literatura religiosa. Viveu em Calw por mais 33 anos, dedicou grande parte desse tempo às pesquisas linguísticas. No Estado indu de Kerala, Gundert é respeitado como grande cientista linguístico. O Estado o homenageou com monumento, nome de rua e placa comemorativa. Gundert escreveu mais de oito mil cartas, que foram usadas por um de seus genros, Johannes Hesse, o pai de Hermann Hesse, para publicação de uma biografia sobre o sogro.

Johannes Hesse (1847-1916), filho do dr. Carl Hermann Hesse, nasceu em Weissenstein, na Estônia. Hermann Hesse — com um avô paterno russo casado com uma alemã, um avô materno alemão casado com uma francesa; o pai russo casado com uma alemã e ele próprio nascido em Calw — tinha dúvidas quanto a sua nacionalidade. Em suas notas autobiográficas, escreve: “Naquela época eu não sabia qual era a minha nacionalidade, provavelmente russa, pois meu pai foi súdito russo e tinha um passaporte russo; a mãe, nascida na Índia, era filha de um suábio e de uma francesa-suíça. Tal origem mesclada impediu-me de ter maior respeito perante nacionalismos e limites fronteiriços”.

Em 1919, ao decidir que a região da Floresta Negra era a sua origem, berço, cultura, pátria, Hermann Hesse passa a se considerar cidadão alemão. Segundo as leis vigentes da época, como filho de um missionário alemão-báltico (russo) casado com uma mulher nascida na Índia, oficialmente o escritor era cidadão russo. Entre 1883 e 1890 e a partir de 1923 tornou-se cidadão suíço. No entremeio, tinha também os direitos de cidadania do Estado alemão de Baden-Württemberg.

Johannes Hesse, pai de Hermann, indivíduo franzino, nervoso, leitor incansável, laborioso em anotar e registrar tudo que lia, ouvia e observava, aos 16 anos resolveu ser missionário. Seus textos, escritos nessa idade, não revelam nenhum fanatismo; ao contrário, era um homem pensativo e ponderado. Além da biografia sobre o sogro, escreveu outras 16 obras. Na Índia, a serviço missionário, casou-se com a viúva Marie Gundert, a filha de Hermann Gundert. Marie Gundert, mãe de Hermann Hesse, era escritora. Publicou vários livros, entre os quais encontra-se uma biografia sobre o naturalista inglês David Livingstone. Falava um inglês impecável, razão pela qual os pais de Hermann Hesse costumavam comunicar-se em inglês.

Hermann Hesse conheceu muito bem o avô materno, Hermann Gundert, com o qual manteve estreito contato. Tinha-o em grande conta e dedicava-lhe uma imensa afeição. No texto autobiográfico “A Meninice de um Mágico”, Hermann Hesse fala com sentimentalismo sobre o avô: “E todas essas coisas pertenciam ao avô, e ele, o idoso, respeitado, po­deroso, com sua densa barba branca, sabia tudo, mais poderoso do que meu pai e minha mãe, estava em poder de muitas outras coisas e poderes… sua sala e sua biblioteca, ele era também um mágico, um homem que sabia de tudo, um sábio. Ele entendia todas as línguas dos homens, mais do que trinta, talvez também a língua dos deuses, talvez a língua das estrelas, ele escrevia e falava o páli e o sânscrito, falava e cantava canções em canarês, bengalês, hindustâni e singalês e recitava orações e textos dos muçulmanos na língua destes. Recebia muitas visitas e eles falavam em todas as línguas”.

Fazê-lo sempre
Se temos a possibilidade de tornar mais feliz e 
mais sereno um ser humano, devemos fazê-lo sempre.


Diante desse manancial cultural, com vários escritores entre seus ancestrais, o pequeno Hermann Hesse, fortemente influenciado pelo avô materno e pelo próprio pai, teve, desde tenra idade, uma educação condicionada ao preparo do serviço missionário, como foram seus pais, avós e bisavós. Sob o peso da profunda religiosidade, o jovem Hesse decidiu não se tornar “vassalo de Deus”. Começam assim os conflitos com Johannes, que, embora não fosse um pai extremado, queria o filho como missionário. Prova disso é o fato de que o pai começou a ministrar-lhe aulas de latim desde a infância. Hermann Hesse, mais tarde, comenta esse período em “Meninice de um Mágico”: “Até a idade de 13 anos nunca me preocupei com o que seria da minha vida futura e que profissão deveria seguir”. Uma das coisas que Hermann admirava em seu pai, que falava várias línguas, era o seu estilo claro e preciso ao usar a língua alemã.

Os primeiros intensos abalos psíquicos que Hermann sofreu aconteceram durante seus primeiros quatro anos de ensino elementar na escola que frequentava em Calw, com o irmão mais novo, Hans (1882-1935). Os métodos educacionais eram rígidos. Castigos corporais eram medidas usuais aceitas tanto pelos pais como pelas autoridades. Abusos, com graves lesões corporais, eram frequentes e impunes. Hans sofreu um trauma escolar em virtude dos métodos educacionais pelos quais passou e do qual não conseguiu livrar-se durante o resto de sua curta vida, que terminaria em suicídio. Hermann Hesse abordou essa tragédia nos livros “Demian”, “O Jogo das Contas de Vidro” e “Debaixo das Rodas”. Nessa a personagem principal, Hans Gie­benrath, em referência a seu irmão morto, é retratada como vítima dos métodos educacionais. Nessa obra encontra-se a seguinte passagem: “A escola é a única instituição cultural que, apesar de levar a sério, me irrita. Em mim a escola estragou muita coisa e conheço poucas personalidades que não passaram pela mesma experiência. Para sobreviver nesse ambiente você precisa aprender a mentir e o irmão Hans era um menino sério e é por isso que na escola em Calw quase o mataram, quebraram-lhe a espinha dorsal”.

Em 1891, o pai matriculou Hermann Hesse, de 14 anos, no renomado mosteiro de Maulbronn, onde o avô materno estudara. O astrônomo Johannes Kepler, que nasceu em Weil der Stadt, pequena localidade a nove quilômetros de Calw, frequentou o mesmo ginásio do mosteiro de Maulbronn, três séculos antes de Hermann Hesse (de 1586 a 1589).

“Serei escritor ou nada”
Em Maulbronn, o seminarista Hermann Hesse redigiu algumas peças de teatro em latim — que ele mesmo ensaiava com colegas e as apresentava aos alunos internos. Suas cartas aos pais eram em forma de rima e muitas em latim. Ele gostava do ambiente, mas vivia com receio de acabar virando missionário. Resolveu enfrentar o pai escrevendo-lhe uma carta com uma frase derradeira: “Serei escritor ou nada”. Mais tarde Hesse confessa: “Quanto mais avançava em idade, tanto mais compreendi quanta semelhança eu tinha com o meu pai”.

Depois de sete meses em Maulbronn, Hermann fugiu do internato. Só foi encontrado dois dias depois, confuso e transtornado. Após uma tentativa de suicídio, foi internado numa clínica psiquiátrica. Após o tratamento, ingressou num ginásio em Cannstatt, um bairro de Stuttgart. Não suportando o ambiente escolar, Hermann deixou o estabelecimento e começou a trabalhar numa livraria em Esslingen, onde suportou apenas três dias.

Regressou à casa dos pais em Calw e foi trabalhar como aprendiz na firma Perrot, que fabricava relógios para torres de igreja. Permaneceu no emprego por um ano e meio. Durante esse período, aos 17 anos, Hermann Hesse falava seriamente de planos para emigrar para o Brasil, assunto frequente nos seus apontamentos e escritos.

O relacionamento com a mãe Marie era normal e Hermann costumava dizer que a amava. O relacionamento sofreu uma ruptura abrupta numa época em que Hermann já publicara textos, comentários e seu nome já era conhecido. Hermann redigiu um pequeno texto com o título “Minha Mãe”, convencido de que ela o apreciaria. Enganou-se. A mãe, num gesto indelicado, humilhou e reduziu a nada o trabalho do filho. Passado mais de meio século, Hesse recordou com amargura do episódio e disse nunca ter perdoado a mãe.

Bem lá no fundo
Bem lá no fundo você sabe que só existe uma única mágica, 
um único poder, uma única salvação, e que ela se chama amor.

A partir desse episódio a vida de Hermann Hesse transforma-se numa roda viva. Em 1895 começa a trabalhar numa livraria em Tübingen (que ainda existe), publica algumas poesias e uma obra com o título “Uma Hora Após a Meia-Noite”, escreve regularmente para o jornal suíço “Allgemeine Schweizer Zeitung”, e viaja três meses pela Itália. Ao regressar, trabalha num antiquário em Wattenwyl, na Suíça, e seu romance “Hermann Lauscher” é publicado. Em 1903, volta a viajar pela Itália, desta vez, acompanhado pela fotógrafa Maria Bernoulli. Ao mesmo tempo, publica sua obra “Peter Camenzind” (1904), seu primeiro romance cujo enredo contém muitos paralelos biográficos. “Peter Camenzind” torna-se um best-seller, Hesse casa com Maria Bernoulli e compra uma propriedade em Gaienhofen, no Lago de Constança, na divisa da Alemanha com a Suíça.

Às margens do lago, a criatividade literária de Hermann Hesse desenvolve-se em bom ritmo. Em 1906 publica “Debaixo das Rodas” e em 1910 “Gertrudes”, novela escrita em primeira pessoa, na qual o autor narra os infortúnios de uma dolorosa experiência de amor. Entre 1905 e 1911 nascem os seus três filhos, Bruno, Heiner e Martin. Para distrair-se Hermann Hesse pratica a jardinagem. Na área que circunda a casa, Hesse planta árvores, arbustos e cultiva rosas. Muito do que plantou na época continua a vicejar até hoje sob os cuidados de uma sociedade mantenedora que tem o zelo de conservar a propriedade e cultivar as mesmas plantas, rosas e flores que Hesse cultivara.

Em 1911 Hesse parte para uma viagem à Índia. Queria conhecer o lugar no qual a mãe nascera e onde os pais trabalharam. A viagem estende-se à Indonésia e à China. Ao regressar publica “Da Índia”. Essa viagem à Índia o decepciona por não encontrar lá o que os pais idolatravam.

Enquanto isso Maria Bernoulli começa a ter problemas psíquicos. Hermann Hesse demonstra não ser capaz de lidar e viver com uma situação dessas. Chega à conclusão que, para dar continuidade à sua ocupação literária, precisa de sossego. Maria é internada num hospital psiquiátrico e os três filhos são entregues à tutela de parentes e amigos. Resolve mudar-se para a Suíça. Deixa a propriedade e seus bens em Gaienhofen, leva consigo apenas a sua escrivaninha, vai à Berna onde aloja-se na Casa Welti. Em 1914 publica “Rosshalde”, romance no qual fala do fracasso do matrimônio de um casal de artistas. A obra traz marcantes traços biográficos. Em toda a literatura alemã Hesse é o autor que mais traços autobiográficos incluiu em sua obra.

No início da Primeira Guerra Mundial, Hermann Hesse se engaja em projetos e serviços humanitários. Um de seus trabalhos foi a criação de um grupo que se ocupou com a remessa de livros para presos em campos de concentração. Em 1915 publica “Knulp”, obra na qual o autor mostra ao leitor o quanto o homem depende de convenções sociais.

Em 1916 Hermann Hesse é acometido de uma crise nervosa que o prende por meses no sanatório Sonnmatt, em Lucerna, na Suíça. Tem início uma profunda amizade com o psicanalista J. B. Lang. Nesse estado de espírito publica um artigo contra a guerra sob o pseudônimo de Emil Sinclair e começa a ocupar-se regularmente com a pintura aquarelista.

O guru dos hippies

Em 1919 publica “O Regresso de Zaratustra”, obra dirigida aos jovens: “O mundo não está aí para ser melhorado. Mas vocês estão aí para serem vocês mesmos. Vocês estão aí a fim de que este mundo sombrio, com esse acorde e com esse tom de vocês, fique mais rico. Seja você mesmo e o mundo tornar-se-á mais belo e mais rico”. Paralelamente Hermann Hesse muda-se para a Casa Camuzzi, em Montagnola, no Tessino, onde permanece até 1931.

Ainda em 1919 Hesse publica “Demian”, sob o pseudônimo de Emil Sinclair, e faz amizade com Ruth Wenger, com a qual acaba se casando. O casamento dura apenas três anos, de 1924 a 1927. Em 1921 Hesse começa a escrever “Sidarta”, o qual teve que interromper em virtude de um bloqueio psíquico. Hesse cai em profunda depressão. Começa a sua segunda análise psicanalítica, dessa vez, com o renomado psiquiatra C. G. Jung. Em 1922 termina e publica “Sidarta”, sobre o qual Henry Miller escreveu: “Sidarta é, para mim, um medicamento mais eficiente do que o Novo Testamento”.

Nesse entretempo Hesse publicou várias obras, entre elas, “O Lobo da Estepe” (1927). No mesmo ano Ninon Dolbin aloja-se na Casa Camuzzi, aparentemente como secretária. Em 1931 Hesse começa a escrever “O Jogo das Contas de Vidro” e se casa com Ninon Dolbin. Em 1931 Hesse muda-se para a “Casa Rossa”, uma mansão construída por um abastado admirador, H.C. Bodmer, que deu a Hesse o direito de ocupá-la até a sua morte. No muro da porta de entrada Hermann Hesse prendeu uma tabuleta com os seguintes dizeres: “Não recebo visitas”. Certo dia subiu à montanha seu amigo Thomas Mann. Este, ao ler os dizeres, deu meia-volta. Conta-se que nunca mais os dois escritores voltaram a se encontrar. A “Casa Rossa” hoje é propriedade particular.


Dinheiro e poder, 
e todas as coisas pelas 
quais as pessoas matam a tiros, 
pouco valem para o homem que 
encontrou a si mesmo



Em 1943, doze anos após iniciá-lo, publica sua obra máxima “O Jogo das Contas de Vidro”. Em 1946 Hermann Hesse é agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.
Não é possível comentar todas as obras de Hesse num texto relativamente breve. Além disso, há resenhas de seus livros em mais de cinquenta línguas. Por esta razão procuramos dar especial ênfase ao homem Hermann Hesse, pois é imprescindível conhecê-lo para podermos compreender e fruir o conteúdo, a beleza e a profundidade de sua obra.

Hermann Hesse ainda era vivo e sua obra já tinha sido traduzida para 34 idiomas. “Parece-me que os japoneses são os que melhor me entendem e os que menos me entendem são os americanos. Mas esse também não é o meu mundo. Nunca chegarei lá”, comentou logo após ter recebido o Nobel. Em meados dos anos 1950, o editor Siegfried Unseld recomprou os direitos sobre a obra de Hermann Hesse por 2 mil dólares. Assinado o contrato, Unseld e o antigo editor foram para o almoço, durante o qual o americano disse: “Se o sr. quiser rescindir esse contrato tão desvantajoso, podemos cancelá-lo”. Unseld não o cancelou e, passados dez anos, as obras de Hermann Hesse tornaram-se su­cesso também nos Estados Unidos quando a juventude hippie, à procura de novas alternativas de vida, confrontou-se com os textos de Hesse, este passou a ser visto como uma espécie de guru. Outro fator que contribuiu para o sucesso de Hesse nos Estados Unidos foi a banda “Steppenwolf” (Lobo da Estepe), que adotou o nome do livro e fez com que a obra influenciasse várias gerações.

Hermann Hesse, além de dedicar-se a seus textos, empenhava grande parte de seu tempo em responder cartas de leitores. Nesse particular, supera Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), o grande autor clássico da literatura alemã, que escreveu mais de 30 mil cartas. Hermann Hesse escreveu mais de 40 mil, a maioria delas ainda estão preservadas. Não apenas trocava correspondência com renomados homens da literatura, como Thomas Mann, Stefan Zweig e Romain Rolland, mas também com políticos, chefes de Estado e com milhares de leitores que lhe escreviam pedindo conselhos ou ajuda para problemas da alma humana. Hesse fazia questão de responder pessoalmente às cartas que recebia. Ao responder às perguntas pessoais de leitores, Hesse costumava apelar à moral, à ética, à tolerância e aos fundamentos básicos do cristianismo do qual tentara livrar-se em Maulbronn.
Até agora apenas parte de suas cartas foram publicadas em dois volumes, está previsto o lançamento de uma edição completa de sua correspondência que deverá abranger um total de dez volumes.

Apenas “ler” Hesse não é suficiente. Para entendê-lo é necessário “encontrá-lo” e a melhor maneira de encontrá-lo é aprofundar-se em sua biografia. Em Calw, sua cidade natal, o município criou o Museu Hesse, no qual encontra-se grande parte de seu acervo. Sua casa em Gaienhofen, que hoje está como ele a deixara, também foi transformada em museu, e em Montagnola, nas montanhas do Lago Lugano, encontra-se a terceira parte de seu acervo.

A única arma que Hesse usou foi a caneta

É oportuno mencionar um detalhe pouco conhecido da vida de Hermann Hesse: o autor foi grande admirador e profundo conhecedor dos contistas da Renascença Italiana. Em 1920 Hesse selecionou e publicou uma coletânea de 16 contos de autores italianos sob o título “Novellino”, na qual encontram-se cinco títulos de Franco Sacchetti, quatro de Giovanni Fiorentino, dois de Masuccio Salernitano, um de Nicolau Maquiavel, e quatro de autores anônimos. O título de Nicolau Maquiavel é “Belfagor” e foi Hesse que, pela primeira vez, publicou-o em língua alemã. O “Novellino” de Hesse foi republicado na Alemanha numa versão atualizada em 2012.

Otto Maria Carpeaux, ao caracterizar Hesse, escreveu: “A vida de Hesse foi um caminho de sucessivas autolibertações, através de revoltas do individualista contra a escola, contra a família, contra o cristianismo, contra o estilo burguês de vida, contra a guerra, contra a Europa e contra todos os tabus que o lar, a sociedade, a religião e o Estado querem impor”. A caracterização de Carpeaux é correta. Falta apenas um detalhe: a única arma que Hesse usou foi a caneta.

Quem caminha pelas ruas de Calw encontra Hesse como eu o encontrei. Lá está ele, no meio da ponte sobre o Nagold, seu lugar preferido quando menino, em estátua de bronze em tamanho natural, com o seu inseparável chapéu à mão. 

O escultor deu-lhe um rosto tranquilo, talvez até feliz, e quando nos acercamos temos a impressão que Hesse fala conosco: “Desci por estes barrancos do rio quando menino junto com outros de minha idade. Subíamos na balsa e os balseiros levavam-nos alguns quilômetros rio abaixo onde, numa curva, deixavam-nos saltar à margem donde regressávamos a pé”. A expressão de felicidade estampada em seu rosto parece dizer: “Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo”.

Hermann Hesse morreu em 9 de agosto de 1962, em Montagnola, aos 75 anos. Transcorridos 50 anos, a data foi devidamente lembrada em 9 de agosto de 2012 com cerimônias, festejos, palestras e conferências realizadas durante todo o último trimestre do cinquentenário de seu falecimento ao redor do mundo. Suas obras continuam vivas e hoje, mais do que no passado, o número de leitores e admiradores de Hermann Hesse aumenta em todos os quadrantes. 

Especialmente na Europa, Estados Unidos, Japão, China, Índia e Coreia do Sul. Hesse continua sendo um autor de interesse universal. Talvez seja esta a verdadeira razão pela qual Hermann Hesse nos cumprimenta com um sorriso feliz lá do alto da ponte de sua cidade natal.


*Postagem: Revista Bula
*Imagens: Reprodução e El Club de los Onironautas

 


quarta-feira, 27 de julho de 2016

VIKTOR FRANKL - O AMOR COMO SIGNIFICADO DA VIDA

A PSICOLOGIA DO SENTIDO

Viktor Emil Frankl nasceu no dia 26 de março de 1905 em Viena, na Áustria. Faleceu em 2 de setembro de 1997, aos 92 anos de idade. Descendente direto de judeus, ele foi médico, psicólogo, psiquiatra e sobrevivente dos campos de concentração da Alemanha na época da Segunda Guerra Mundial.

Por Eduardo Ruano

O austríaco também foi um renomado filósofo e pensador da humanidade contemporânea, tendo feito diversas contribuições à psicologia, psiquiatria e neurologia.

Sabe-se que, no colégio, Frankl era um aluno dedicado e inveterado a seguir na área da saúde. Aos 13 anos, já no segundo grau, ele assistia a uma aula de ciências naturais, durante a qual seu professor explicava que a vida acontece como um “processo de oxidação e combustão”. O jovem Frankl interrompeu a aula, perguntando, em voz alta, o seguinte: “Professor, se é assim, que sentido tem a vida?”

Desde cedo, já era possível perceber a curiosidade e preocupação de Frankl pela filosofia, especialmente por aquilo que tratava sobre os sentidos, propósitos e causas da existência humana.

O jovem Frankl se destacou durante toda sua trajetória escolar. No último ano, para o exame final, ele entregou um trabalho sobre a psicologia do pensamento filosófico, com ênfase na filosofia existencialista de Sartre, da qual discordava em partes.

Diferentemente da maioria dos pensadores do Existencialismo – vertente que lhe serviu de base – Frankl não era pessimista, cético e antirreligioso. Ele assumia uma visão mais otimista e esperançosa sobre a capacidade humana de superar adversidades e imposições da vida moderna.
Frankl se preocupava, acima de tudo, com o conceito de propósito, a partir do qual o ser humano se orienta no sentido de sua existência.

Em 1921, aos 16 anos de idade, Frankl já expunha suas ideias e considerações em palestras e debates por vários cantos da Europa. Nesse mesmo ano, ele participou de uma conferência sobre o tema “O Sentido da Vida” e, após o evento, foi imediatamente contratado para ser funcionário da Juventude Trabalhadora Socialista, uma comunidade com fins acadêmicos educacionais.

O vigor intelectual de Frankl rapidamente impressionou e o colocou em correspondência direta com Sigmund Freud. Por influência deste, Frankl publicou seu primeiro artigo científico em 1924, numa publicação renomada chamada International Journal Of Individual Psychology. Era um grande feito para alguém que estava em vias de iniciar a faculdade.

Frankl encontrava-se regularmente não só com Freud, mas também com Alfred Adler, tendo sido influenciado pelas ideias dos dois. Enquanto Freud trabalhava mais com a psique e o desejo, Adler discutia sobre o poder e a vontade. No fim, ambos determinaram a orientação do pensamento do jovem Frankl.

Mais tarde, seu relacionamento com Adler foi rompido por causa de confrontos de personalidade, fortes divergências de opinião e subsequentes brigas explosivas. Quanto a Freud, Frankl passou a vê-lo com cada vez menos frequência, embora os dois mantivessem a afinidade um pelo outro.

No final de 1926, Frankl passou a ministrar palestras públicas, e apresentava-se em congressos por toda a Europa. Suas habilidades de persuasão e oratória eram claramente notáveis, assim como era adequada a organização de seus discursos.


Em Viena e outros seis estados, Frankl e sua equipe projetaram os chamados Centros de Aconselhamento Juvenil, onde jovens em dificuldade psicológica eram atendidos gratuitamente. Quando ficou sabendo que o índice de suicídio entre os jovens estava altíssimo, na época, Frankl organizou uma ação solidária de prevenção ativa, que se mostrou extremamente eficaz. Durante a ação, não houve registros de suicídio.

Mais ou menos nessa época, o austríaco já havia adquirido uma certa notoriedade popular, considerando que seus feitos como profissional eram ressonantes por onde quer que passasse.

Entre 1931 e 1932, aos 27 anos de idade, ele finalmente concluiu sua formação neurológica. Em seguida, Frankl especializou-se em psiquiatria, para depois trabalhar em um hospital na cidade de Viena. Lá, ele conhece e se apaixona pela enfermeira Tilly Grosser, com quem se casou em 1941, mesmo ano em que ele e a família foram feitos prisioneiros pelos nazistas, na iminência da Segunda Guerra Mundial.


Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração


Por três longos anos, Viktor Frankl foi mantido prisioneiro em quatro campos de concentração espalhados por toda a Alemanha. Sua pele foi tatuada com o número 119.104, para identificação.

Naquela ocasião, sua esposa estava grávida. O pai, a mãe e o irmão foram todos mortos, brutalmente e sem misecórdia, pelo bárbaro regime nazista.

No ínterim desse momento delicado, Frankl ainda foi separado de sua esposa. Em suma, ele perdeu praticamente tudo o que tinha por causa do terrorismo regido por Adolf Hitler. De uma hora para outra, seu mundo colapsou.

Foi a esperança de reencontrar sua esposa e publicar suas ideias sobre a terapia do sentido da vida que manteve Frankl vivo ao longo dos três anos de sofrimento humano indescritível.

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Tamanha era a vontade de passar seus conhecimentos adiante, que Frankl perigosamente escondia rabiscos de sua teoria dentro das cuecas. O austríaco estudava o comportamento humano em um cenário de privação total, e esses estudos, por fim, embasaram o conteúdo de seu livro Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração.

Aprisionado pelos nazistas como um animal em um abatedouro, Frankl pôde aprender o suficiente sobre como alguém é capaz de encontrar significado e luz quando só há morte e escuridão em perspectiva.

Apesar da solidão, da miséria, do desespero e do sofrimento de viver em condições subumanas, Frankl reuniu uma força intrínseca extraordinária para superar todas as dificuldades e poder viver em paz consigo mesmo.

Certa vez, ele disse:
“Mesmo nas situações mais absurdas, dolorosas e desumanas, a vida tem um significado em potencial e, portanto, até o sofrimento tem sentido.”
No livro, Frankl relata não só suas experiências como interno nos campos de concentração, mas também descreve seu método psicoterapêutico para encontrar sentido em todas as formas de existência: a Logoterapia.



LOGOTERAPIA

A Logoterapia é uma abordagem psicoterapêutica que possui um viés existencial. Essa abordagem integra a Terceira Escola Vienense de psicologia e, basicamente, é estruturada por três alicerces ideológicos: a liberdade do desejo, o desejo por sentido e o significado da vida.

Frankl afirmava que o homem não está totalmente sujeito aos seus condicionamentos, mas tem escolha de decidir e agir em face de todas as circunstâncias, independentemente da privação de sua liberdade. Segundo ele, existe no homem um desejo e uma vontade de sentido.

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Como psicólogo, médico e psiquiatra, ele percebeu que as pessoas não sofrem apenas de frustrações sexuais (Freud) ou de complexos de inferioridade (Adler), mas também de um certo vazio existencial. Para ele, a maioria dos problemas psicológicos e psiquiátricos nasce do sofrimento causado pela sensação de falta de sentido.

Viktor Frankl viveu tempo suficiente para acompanhar as transformações sociais da modernidade. De acordo com ele, nós vivemos em uma sociedade que busca virtualmente se satisfazer, ou pelo menos se propõe a gratificar cada uma das necessidades humanas, mas se esquece, essencialmente, de seu significado.

“A atual sociedade de consumo até está criando necessidades, mas a necessidade de sentido – ou, como eu costumo dizer, a vontade de sentido – permanece insatisfeita.”
Não deixa de ser correto considerar que, atualmente, a sociedade passa por uma crise de individualismo e apego ao materialismo. Frankl concordava com isso.

Ele argumentava que o ser humano precisa, de fato, daquilo que ele chamava de “autotranscendência”. Ou seja, a felicidade não pode ser perseguida de qualquer jeito, mas deve acontecer espontaneamente, não por mera vontade, e sim pelo sentido inerente ao sentimento. A autotranscendência pressupõe que esse sentido só pode existir se a pessoa tiver uma causa maior do que ela.

Segundo Frankl, a busca da felicidade é uma contradição. Na sua opinião, estar preocupado com a própria felicidade e o próprio prazer é frustrar-se.
“A felicidade nunca pode ser buscada. Ela é uma consequência, um efeito colateral, um subproduto da realização de um sentido. Isso fica evidente nas neuroses sexuais, em que, precisamente, à medida que alguém está perseguindo a felicidade sexual e o prazer, estará fadado a falhar. Seja um homem que queira demonstrar a sua potência sexual, na mesma medida, provavelmente acabará sofrendo de impotência; ou uma mulher que quer demonstrar a si mesma que é plenamente capaz de chegar ao orgasmo, na mesma medida, provavelmente acabará frígida.”

Em sua filosofia logoterapêutica, o austríaco também apontou o humor como sendo uma arma de proteção na luta pela autopreservação.

“É bem sabido que o humor, mais do que qualquer característica do ser humano, pode diminuir o distanciamento de si mesmo e gerar capacidade de ascensão perante qualquer situação da vida, mesmo que por alguns segundos. A tentativa de desenvolver um senso de humor e ver as coisas sob uma luz bem-humorada é algum tipo de truque aprendido ao se dominar a arte de viver.”

Outro motivo de salvação na busca pela sobrevivência, Frankl lembra, é o amor. Na sua bela definição:

“O amor é a única maneira de entender outro ser humano no âmago mais profundo de sua personalidade. Ninguém pode tornar-se plenamente consciente da própria essência do outro, a não ser que ame. Por seu amor, alguém está habilitado a ver os traços essenciais e recursos na pessoa amada; e ainda, ele vê o que é potencial nela, e o que não está atualizado, mas deve ser realizado.”

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Em uma entrevista concedida para um canal de televisão canadense, Frankl ressaltou que dificilmente se encontra qualquer referência àquilo que é a preocupação mais básica e fundamental de uma pessoa: não é prazer nem felicidade, nem tampouco sucesso, poder ou prestígio, mas original e basicamente, seu desejo é encontrar e realizar um sentido em sua vida para cada situação que a vida apresentar.

De acordo com essa teoria, a motivação básica do comportamento humano baseia-se na busca de sentido para a vida, e a finalidade da terapia psicológica é justamente ajudar a pessoa a encontrar esse significado em particular.

Ou seja, na abordagem da Logoterapia, o desejo de encontrar um propósito de vida é a força motriz do ser humano; aquilo que o move e faz acreditar que vale a pena viver. Não se trata, portanto, de um sentido geral de existência, mas um sentido pessoal de cada indivíduo, que, por escolha, pode criar (e encontrar a si próprio).

“Quem conhece um sentido para a sua vida encontra, na consciência desse fato, mais do que em outra fonte, ajuda para a superação das dificuldades externas e dos desconfortos internos. Disto se infere a importância que tem, sob o aspecto terapêutico, a ajuda a ser prestada ao homem no afã de encontrar o sentido de sua existência e de nele acordar, enfim, o desejo dormente do sentido.”

Frankl teorizou que uma pessoa pode achar um sentido (ou um propósito) para sua vida de três formas: 1) criando um trabalho ou realizando um feito notável; 2) experimentando um valor ou amor; 3) através do sofrimento, adotando uma atitude em relação ao sofrimento inevitável.

“A autotranscedência assinala o fato antropológico fundamental de que a existência do homem sempre se refere a alguma coisa que não ela mesma (a algo ou a alguém, isto é, a um objetivo a ser alcançado ou à existência de outra pessoa que ele encontre). Na verdade, o homem só se torna homem e só é completamente ele mesmo quando fica absorvido pela dedicação a uma tarefa, quando se esquece de si mesmo no serviço a uma causa, ou no amor a uma outra pessoa. É como o olho, que só pode cumprir sua função de ver o mundo enquanto não vê a si próprio.”

Frankl criticou também a ideia geral da “hierarquia das necessidades” de Abraham Maslow, afirmando que o preenchimento vertical dessas necessidades não é de muita ajuda, quando o que se procura é encontrar sentido: não se trata de ordenar as necessidades em maiores ou menores, e sim de identificar qual delas tem sentido, um objetivo por trás de sua realização.


Xausa (1986) afirma que a teoria de Frankl não foi um fenômeno isolado da conjuntura perversa que se firmou no século XX, em plena Segunda Guerra Mundial: ela teria sido a antítese das teorias e terapias reducionistas do século passado, expressando, com contundência, uma originalidade científica e um campo fundamental para o sentido da vida de cada ser humano.

De acordo com Xausa, a Logoterapia de Frankl “foi um feliz caminho que se abriu para sanar as angústias causadas pelo vazio existencial gerado por transtornos psicológicos específicos daquela época”.

Não é por acaso que Viktor Frankl seguiu o caminho da Logoterapia. Percebeu ele que as pessoas, especialmente os jovens que retornaram da Segunda Guerra Mundial, estavam terrivelmente traumatizados pela destruição sofrida, e que somente poderiam recuperar-se psicologicamente dos danos sofridos – incapacidade física, carência de afeto e de recursos logísticos, simbólicos e culturais – quando se empenhassem na busca de um novo sentido para viver. Mais tarde, quando preso nos campos de concentração nazista, ele mesmo constatou a necessidade dos seres humanos de buscar um significado e um por que viver.

“Mesmo que o homem esteja numa situação terrível, em que a possibilidade de realização de valores de atitude seja limitada, a realização de valores de atitude sempre continua possível. E através dela, a vida do homem conserva o seu sentido até o último suspiro.”

Em resumo, aprendemos com Viktor Frankl que, mesmo quando a vida parece longe de ter algum significado, ou a esperança se esvai completamente, nós somos capazes de suportar qualquer sofrimento e encontrar um sentido pelo qual viver.

Referências:

FRANKL, Viktor. Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração. Estados Unidos (1984).

FRANKL, Viktor. A Psicoterapia na Prática. São Paulo (1991).

ASSUNÇÃO RODRIGUES, Larissa; ALVES DE BARROS, Lúcio. Sobre o Fundador da Logoterapia: Viktor Emil Frankl e Sua Contribuição à Psicologia. Goiás (2009).

*Postagem: Conti Outra
*Imagens: Reprodução

Assista a entrevista abaixo com Viktor Frankl:




quarta-feira, 24 de junho de 2015

O ANTICRISTO DE NIETZSCHE




Em defesa do HOMEM é necessário, 
exterminar com a fé


Por Edjar Dias de Vasconcelos

Nietzsche faz uma análise do Cristianismo, e compreende  a fé como uma maldição do homem sua reflexão, a religião particularmente, o cristianismo, não ajuda ao desenvolvimento humano.

Portanto, para Nietzsche Deus é o grande mal ao processo civilizatório, pois mecanizado no cristianismo leva a destruição da humanidade, favorecendo ao comportamento de fraquezas.

A maldição da fé se efetiva subjulgando o homem, a uma situação de inferioridade cultural, leva ao homem assimilar suas derrotas como virtudes transformando em uma realidade benéfica imaginária. Com efeito, irreal do ponto de vista praxiológica, acreditar em Deus é optar pelo atraso, a destruição do processo civilizatório.

O homo sapiens precisa libertar de Deus para poder atingir sua maior idade, a fé nega o que há de melhor na vida a liberdade, o prazer como   fonte da felicidade.

No entanto, ao ler o título do livro muita gente pensa, que Nietzsche deseja destruir Jesus Cristo. No entanto,  não é o seu objetivo, pelo contrário, o cristianismo nunca assumiu o que realmente Cristo pregava.
 Entretanto, assumiu uma concepção helênica mitológica da fé, um platonismo mistificado, a negação desse mundo, é muito mais uma concepção filosófica de Platão que do Cristo crucificado.

Para Nietzsche é necessário destruir o helenismo platônico, a filosofia da resignação, não tem sentido abandonar esse mundo, como realidade material fútil como pensara Platão, em razão do verdadeiro mundo, que para o cristão seria o paraíso.

Para Nietzsche não existe outro mundo, a não ser o mundo do planeta terra, imaginar outro mundo, simplesmente loucura da cultura grega paga.  Motivo pelo qual o cristianismo é a representação da tragédia humana.

Nietzsche refere a outras religiões, como sendo superiores ao cristianismo, entanto, sabemos que tal análise não é verdadeira. O filósofo está essencialmente preocupado em ironizar o cristianismo como algo incomparavelmente ruim, uma tragédia, que prejudica o desenvolvimento da humanidade.

Para Nietzsche, o cristianismo não ajuda desenvolver a sociedade. Ele não deseja destruir o cristianismo por ser ateu, ao atacar a natureza do cristianismo a sua preocupação é destruir algo cuja essência, visa tão somente prejudicar a humanidade.

Nietzsche entende o cristianismo como uma doença psicológica, identificada em sua análise o conceito do bem  e do  mal e reflete tais conceitos no cristianismo, como a perversão da humanidade.  Deus no cristianismo não tem função útil ao mundo ocidental.

É necessário que ocidente tome consciência, não deixe a tragédia dominar a sociedade,  pois a fé trava qualquer desenvolvimento político e econômico, e, sobretudo, impossibilita ao homem de atingir a própria superioridade.

Qual a finalidade da religião,  expor eternamente a humanidade ao atraso, seu permanente fracasso, com a fé não se construi uma civilização.  Motivo pelo qual chama o cristianismo como doença social e psicológica.

Em defesa do homem é necessário, exterminar com a fé. Ele deixa claro, fala com objetividade a crença em Deus é tão somente produto de Loucura. Deus não existe,  acreditar em sua existência, não é apenas alienação, entretanto, o mais absoluto delírio.

Portanto, Nietzsche declara, o cristianismo é uma mentira inventada,  não existe Deus, muito menos paraíso ou inferno, a única coisa que existe é a vida real no mundo, prejudicada nas relações sociais e políticas.

Com efeito, declara Nietzsche, a mentira é a grande maldição, não poderia ter existido algo pior para humanidade que a invenção do cristianismo.

Desse modo, Nietzsche grita em bom grado, precisa ser extirpado a maldição, libertar a interioridade da humanidade, eliminar o instinto da vingança no plano ideológico, a perda da vida real como compensação ideológica de outro mundo, substanciado no delírio.

A crença em Deus,  a eterna mancha da humanidade, contra si mesma, então Nietzsche deixa claro,  necessário negar o cristianismo e superar o paganismo platônico.

O grande problema da humanidade, o cristianismo intrometeu em tudo, transformando o homem em fraco, medíocre, incapaz de transformar a si mesmo, e, desse modo, à sociedade política.

Recusa o atendimento aos instintos saudáveis, para viver a vida doente como compensação, a fé levou ao homem a ser corrompido pelo entendimento incorreto das coisas.  O cristão é cego, vive a vida como realidade transviada.

Culturalmente inferior, uma vida sem valoração, sem procedimento ético, padrões comportamentais transviados, a espécie sapiens não tem futuro com o cristianismo,  na história civilizatória.

No entanto, o Nietzsche que ataca o cristianismo,   preserva Cristo, sendo que a religião  utilizou  apenas sua nominalidade e não a sua exegese praxiológica.

Nietzsche achava Jesus Cristo, um espírito livre e avançado, que superou a pequenez da humanidade.
Com efeito, o cristianismo fundado em seu nome, usou sua nominalidade, ainda equivocadamente, pois seu nome real,  nunca fora Jesus Cristo, no entanto Joshua de Abar.